abril 15, 2022

Casa


Entre essas recomendações do Spotify que realmente acabam entrando para nossas playlists pessoais, encontrei Casa, uma música agitadinha que me encheu de felicidade logo nos primeiros acordes - é um efeito que ela tem! Para mim, a canção da banda Baleia tem como ideia principal a tomada de uma decisão: permanecer ou ir? Ficar em um lugar que é bom, simples, calmo e sólido, que já conheço, logo, onde tenho mais certezas, ou se jogar atrás de um sonho que envolve correr um risco (se lançar à sorte) e pesa no peito, silencioso, quando abro espaço para contemplá-lo?

Vamos a letra!

Minha casa é simples

Mas é forte todavia

Chove todo dia

Uma calma solidão

Aqui, é caracterizada a casa. Um lugar simples, mas que fornece segurança. Onde todas as emoções ("Chove todo dia"), tudo que se viveu até agora já está bem trabalhado e resolvido dentro de si (a casa protege a pessoa da chuva), talvez consequente de um momento eremítico, de isolamento e interiorização (a "calma solidão"). A casa é um conforto. O que me remete a reflexão de Mario Sergio Cortella no livro Não nascemos prontos! - provocações filosóficas, que diz: "a condição humana perde substância e energia vital toda vez que se sente plenamente confortável com a maneira como as coisas já estão, rendendo-se à sedução do repouso e imobilizando-se na acomodação[...] a satisfação não deixa margem para a continuidade, para o prosseguimento, para a persistência, para o desdobramento. A satisfação acalma, limita, amortece".

Vento que arranca

Dos varais uma lembrança

Tudo que me alcança

Era sonho, agora, não

A estabilidade permite, então, que a mente (ar) ganhe terreno, dando força (o vento) às reflexões, à revisitação de memórias, instigando a olhar de fora, de forma distanciada, para tudo que ocorreu - a imagem evocada de roupas, que já estiveram sujas, lavadas e estendidas nos varais, secando. Ou seja, depois que tudo passou (roupa suja), é momento então de revisar o que ocorreu (lavar), a fim de tirar conclusões, por um fim sobre o que precisar, para seguir em frente (roupa seca pronta para ser usada em uma nova jornada). Entretanto, a estrofe segue com os versos "tudo que me alcança era sonho, agora, não", o que me deixou perguntando: ERA sonho porque se realizou ou porque é um sonho abandonado no passado?

Da janela, vejo

Luzes da cidade, o peso

Todo o desejo

De um lugar nesse clarão

"Da janela"... Moça à janela... Cof cof cof... Aqui é respondida a minha pergunta: o sonho citado anteriormente é algo que ainda não se realizou, provavelmente precisou ser engavetado por um tempo, mas volta sempre a mente de quem sonha. Sendo as luzes da cidade, o clarão, o local onde realmente se sentiria realizado, onde poderia conquistar o reconhecimento (como sob um holofote). A estabilidade, o conforto, a segurança onde está é boa, talvez tenha sido importante para descansar de algo pelo qual passou antes de chegar até ela, mas dentro de si, deseja mais que isso. Há a vontade de se aventurar por novos caminhos. O que me lembra uma outra música: "Eu quero mais que a vida do interiooor"! Visualizou a Bela? Haha

Como eles correm

Tão certinhos quanto à sorte

Rima com a morte

Mando um grito, mando um sinal

Ninguém nunca vê a minha casa

Ninguém nunca entra

Continua contemplando o que realmente quer para si, mas não toma os passos para realizar. Ao invés de correr atrás dos sonhos, confiando em seu potencial e que vai dar certo se se arriscar, como observa outros fazendo, se toma por pensamentos negativos, medo, autossabotagem ("Rima com a morte") e continua em sua zona de conforto. Querendo o melhor dos dois mundos, a realização sem qualquer esforço, sem trabalhar por ela, tenta chamar atenção de onde já está (manda um grito, um sinal). Mas que mérito há nisso? Nenhum, tanto que não funciona... Continua sem o reconhecimento almejado.

Minha casa é simples

Mas é minha toda vida

Chove todo dia

Uma brava solidez

Aqui, inicia-se uma estrofe parecida com a inicial, mas com pequenos detalhes alterados que fazem toda a diferença. "Mas é forte todavia" para "Mas é minha toda vida", denotando o quanto, antes, encarava a segurança e solidez na qual se encontrava como algo proveniente do externo (um lugar, uma situação, um bem material), ao qual deveria se prender e se apegar para continuar se sentindo assim. Mas não, em um ponto de virada maravilhoso, percebe que essa força está dentro de si, lhe é inerente e, por isso, independente do cenário onde estiver, sempre vai encontrar seu equilíbrio e ser capaz de tornar terrenos desconhecidos novas casas. Não só isso, também há a alteração de "Uma calma solidão" para "Uma brava solidez", mostrando a decisão de uma vez por todas: é hora de sair da fase eremita e encarar o desafio. Pode vir todo problema que se manterá firme e verdadeiro. Fruto do trabalho que fez durante esse tempo de reclusão resolvendo as emoções dentro de si? Sim, talvez, mas, como tudo na vida, esse tempo de reclusão é passageiro e já estava na hora de finalizá-lo. Depois da colheita, sempre um novo ciclo.

Onda que me lança

Nunca quebra, só avança

Faz da dor bonança

Soa o sino, agora, sim


As emoções, então, com a força de vontade, são canalizadas (a onda) para se impulsionar na direção dos desejos. Os versos "Nunca quebra, só avança" e "Faz da dor bonança", reforçando a firmeza e inteireza que terá durante essa nova etapa. Sem desistências, sem estagnações, seguindo o fluxo. O sino, pesquisei hihi, simboliza o chamamento divino, comunicação entre o céu e a terra, ou seja, o sonho e sua materialização, a harmonia que se encontra ao realizar o que deseja (o que remete a reflexão que fiz sobre a obra The dreamer de Lora Zombie).


Sei que já é tarde

Hoje desço pra cidade

Algo que se parte

Dou à sorte o meu amor

Em cima de um morro

Nem tão alto, nem tão baixo

Será que eu encaixo?

Era sonho, agora, não

E finalmente se jogou na aventura, tomou os passos para fazer parte da paisagem que antes apenas contemplava de longe. O verso "Algo que se parte", representando tanto a ideia de partir fisicamente, quanto de uma perda em si, afinal, toda escolha envolve um sacrifício. Para fazer a mudança, foi preciso abdicar do conforto. Mas, segue a jornada com amor, com coragem, esperando que a sorte esteja nos seus caminhos. E mantendo, claro, o equilíbrio ("Nem tão alto, nem tão baixo") que, mesmo com os medos e as dúvidas (que não deixam de existir, apenas não têm mais tanta voz), permite controlar os impulsos, como agir, e tornar, assim, o que era sonho, realidade.


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